Era noite. Tarde da noite. Ou poderia ser dia. Eu não sei, meus óculos escuros deixavam até mesmo o Sol parecendo a Lua. E eu nunca saio de casa sem óculos escuros... Pois eu nunca saio de casa sem uma ressaca. Era tarde da noite de Sábado (Eu acho), e eu fui ao escritório de meu editor, Sérgio, que tinha pedido minha presença com urgência.
Normalmente eu teria mandado ele ir se catar, mas minha intuição me dizia que era melhor eu comparecer. Minha intuição, e a viatura de polícia que estava estacionada em frente ao meu prédio havia meia hora. Eu toquei na porta do escritório. Primeiro duas vezes. Depois três. Então eu improvisei uma batida de "We Will Rock You".
A secretária dele abriu a porta, justamente quando eu estava no solo de guitarra. Entrei no escritório, sem dar bola para a expressão perplexada da mulher, que, momentos atrás, tinha visto um homem balançar as mãos fingindo estar tocando guitarra na chuva. Ou era dia claro? Eu não faço idéia.
- Então, Clarice...
- Beatriz - Ela corrigiu. Eu fitei-a, fazendo o melhor que podia para manter uma cara séria. A face dela parecia serena, calma. Parecia uma mulher que sofreu os tempos da vida, mas que não havia desistido ainda, que ainda tinha esperança. Seus olhos, no entanto, gritavam "Chocolícia!" como três hipopótamos treinados subitamente desempregados.
- Então, Clarice-Beatriz... Como vai o Sr. Sérgio?
- Ele está um pouco rabugento. Gritou comigo o dia inteiro. É um babaca. - Eu ri da observação dela. Ela não tinha experiência no emprego, mas já conhecia o Sérgio muito bem.
- Pois bem, eu vou fazer uma visita à ele. Acho melhor você ficar com isso até eu voltar - Eu a entreguei uma garrafa de whiskey que eu mantinha no bolso em casos de emergências. Ela olhou desconfiada para a garrafa, e em seguida tomou um longo gole. Eu não me importei muito. Nunca carregava Jack Daniels naquela garrafa, apenas uma marca de whiskey mais barata. A marca tinha gosto de cigarro usado.
Eu entrei no escritório do meu editor. Ele andava de um lado para outro, preocupado. Assim que eu entrei, ele pulou em cima da cadeira e pegou seu guarda-chuva, esperando um ataque. Ele era um editor de jornal, afinal de contas. Me sentei na cadeira, e comecei a comer uma noz que estava na mesa ao lado. Ela tinha um gosto extraordinário, como um Sauvignon 1977 bem conservado. Ou então chiclete de tuti-fruti.
- Victor! Estamos mortos! - Ele sentou na cadeira, exprimindo todo seu desespero, e suando como um porco. Que tipo de noz ele tinha comprado? Macadêmia?
- Ok, primeiro de tudo, por quê você me chamou aqui numa noite de Sábado?
- É Quarta de manhã. - Ele me encarou, incrédulo quanto à minha reação. A noz não poderia ser macadêmia, o Sérgio era pão-duro demais para comprar uma noz cara para o escritório dele. Teria que ser uma noz mais barata, como... Macadêmia, se ela for barata.
- Bem, sendo ou não sendo Sábado de noite, qual é a droga do problema? - Eu continuei mastigando a noz, que estranhamente parecia não terminar. Talvez fosse Bogno? Não, espera, isso é um tipo de árvore.
(Bogno é uma árvore?)
- Seu texto! Esse é o problema! Ele foi considerado altamente polêmico pela Igreja Evangélica, e ela quer que você seja demitido. - Eu não ouvi o que ele dizia. Estava concentrado demais na textura fina ou então grossa... Ou alguma coisa da noz. Seu gosto de vinho ou tuti-fruti (Embora eu tivesse começado a sentir um gosto único de Filet Mignon). Eu tinha que saber aonde ele comprou essa noz, mas meu orgulho nunca permitiria que eu perguntasse. Eu teria que invadir a casa dele mais tarde, e ver as despesas dele. Uma Quinta-Feira como sempre.
- Aonde você comprou essas nozes? - Meu orgulho é um covarde.
- Nozes?
- Sim, essas nozes. Ela tem uma coloração distinta, um gosto específico... É simplesmente espetacular.
- Victor, você está mastigando uma vela.
- Ah. - Eu removi a (Agora óbvia) vela da boca, observando-a por um momento. Depois eu continuei a mastigá-la, pois ela continuava tendo gosto de tuti-frutti (Ou seria Filet Mignon?).
- Victor, o que nós vamos fazer sobre o protesto contra seus artigos?
- Ugh. Se eu soubesse que você iria falar sobre isso, eu não teria deixado minha garrafa de whiskey com sua secretária.
- Secretária? - Ele me perguntou, parecendo perplexo. Ou melhor, tentando parecer perplexo. As bochechas ridiculamente grandes dele tornavam-o impossivelmente cômico.
- É, sua secretária, que abriu a porta do seu escritório para mim.
- Biancardine - Toda vez que eu fazia alguma idiotice ele me chamava de "Biancardine". Porco babaca - Você está na minha casa. Quem foi abrir a porta foi minha filha.
- A de dezoito anos com quem...
- Não, a de doze anos. Que eu nunca deixei você nem sequer ver sem usar óculos especiais. - Era verdade, ele mantinha um par de óculos na gaveta do escritório dele para toda vez que a filha dele ia visitá-lo no trabalho. Era uma coisa estúpida, eu nunca faria nada com a filha de doze anos dele. Exceto oferecer um cigarro, como todo bom cidadão.
- Eu nunca vou receber minha garrafa de volta, não é?
- E eu nunca vou ter uma filha que não seja uma alcoólatra... - Ele disse, enxugando as lágrimas.
- Então, o mesmo de sempre? - Eu sorri, sendo o mais condescendente quanto possível.
- Vá de uma vez antes que eu chame a polícia.
Eu dei um último "Até amanhã, chefe", e pulei pela janela. Eu provavelmente quebrei minha perna, e com certeza xinguei a esposa do Sérgio mais de uma vez, mas consegui me arrastar até um lugar seguro e longe da vista dos policiais, aonde passei o resto do dia tirando cacos de vidro do meu corpo.
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