segunda-feira, julho 05, 2010

Minha Noite de Sexta-Feira (Segundo Testemunhas Oculares)

Fui acordado por um tapa na cabeça. Não era um tapa amigável. Não era nem ao menos o tipo de tapa que te pague um jantar e flores antes de te estapear. Era um tapa violentador de cabeças. E a vítima era minha nuca.

Movi minhas mãos de forma limitada, reconhecendo as familiares algemas prendendo meus pulsos atrás da cadeira na qual me sentava. Olhei para o dono do tapa agressor, me perguntando se eu poderia processá-lo por danos morais. Desisti da idéia: Era um policial, e não uma mulher que gosta de ser “Dura”.

– Bom dia senhor Biancardine.
– Não me chame de senhor. – O policial fitou-me com raiva.
– E por que não deveria?
– Faz eu me sentir velho.
– Senhor...
– Quero dizer, eu sei que tenho um pouco de cara de velho, cabelos brancos, etc... mas eu não sou velho!
– Cale a boca! – O policial me interrompeu, sendo rude como a maioria dos policiais que eu conhecia.
– Pelo menos se desculpe pelo tapa que você deu na minha cabeça. Foi rude, e eu me senti violentado. – Ele piscou duas vezes, não acreditando no que eu tinha acabado de falar.
– C... Como?
– Bem, você sabe. Eu não te dei permissão para me estapear. Não foi consensual. Foi um estupro de tapas. – O policial levou a mão à face, balançando a cabeça.

A porta abriu com um estouro. Por ela entrou caindo uma mulher desajeitada, que também usava um uniforme policial, o que era uma pena, pois ela era bem agradável aos olhos. Ela se levantou, se desculpando. Ela parecia mais amigável e disposta a engolir minhas idiotices, então eu me concentrei em conversar com ela.

– Senhor Biancardine...
– O que eu disse sobre me chamar de senhor?
– SENHOR Biancardine, esta é minha parceira, Lúcia.
– Olá, Lúcia – Eu esbocei um sorriso na escuridão da sala de interrogação.
– Boa tarde, boa tarde.
– Espere! Já é de tarde?
– Sim, são quatro e meia da tarde.
– Huh – Eu cocei meu queixo, pensativo – Meu editor irá à loucura tentando me encontrar então.
– Você quer ligar para ele? Nós te damos quinze minutos – Lúcia ofereceu, obviamente sendo a policial amigável da dupla.
– Não, não. É divertido aterrorizar o Paulo.
– Bem, Sr. Biancardine, há uma boa chance de que o seu editor esteja morto.

Um silêncio tomou conta do quarto. Lúcia colocava objetos na mesa, com certo medo de tocar em alguns. Era compreensível. Metade dos objetos que eu possuo são mandados para serem queimados depois que eu me desfaço deles.

– Como... Como que ele morreu?
– Com isso – Ele levantou um pedaço particularmente grande de algodão doce, que parecia suculento.
– Ah. Então ele morreu de forma honrosa... Tendo um ataque cardíaco?
– Não. A máquina de algodão doce que o Senhor Roubou de uma feira explodiu no seu escritório, segundo quinze testemunhas. A explosão matou metade de seus colegas de trabalho, e machucou severamente os colunistas e seu editor, que estão num hospital.
– Ufa! Ainda bem. – O policial que ainda não me disse seu nome me olhou torto.
– Bem – Eu expliquei – É que o Paulo sempre quis morrer... Sendo explodido por algodão doce.
– Mas e a hiena que você mantinha numa jaula embaixo do escritório de um tal de “Sandro”?
– Bem, em minha defesa, o Sandro sempre ficava rindo de tudo, então ele nunca percebeu a hiena que eu mantive embaixo da cadeira dele por um ano.
– Sim, Sr. Biancardine, esse é o problema. Você manteve um animal ilegal embaixo da cadeira do seu colega, sem comida e sem água. É um milagre que ela tenha sobrevivido por dois anos.
– Só se você chama os hábitos alimentares do Sandro um “Milagre”. – Eu sorri, tentando ser o mais charmoso quanto possível. Aparentemente não funcionou, mas eu consegui improvisar uma piscadela para Lúcia, que anotava tudo veemente.
– Senhor Biancardine... – Ele continuou, ficando sem paciência. Meu estômago roncava – Quando a máquina de algodão doce explodiu – Ei, o algodão ainda estava em cima da mesa. Será que eu conseguia comê-lo sem o policial perceber? Bem, se não tentasse, eu nunca iria descobrir – A gaiola da hiena se soltou. E ela, faminta, começou a devorar os seus colegas e... Afinal, mas que merda o senhor está fazendo?! – Ele interrompeu seu discurso quando me viu debruçado sobre a mesa, comendo o algodão doce.
– Eu estou com fome.
– Escute. A sua hiena devorou oito pessoas antes que pudéssemos prendê-la.
– Hey, ela nunca foi minha. Era do Sandro. Prendam ele.
– Ele está no hospital. A hiena lacerou severamente a genitália dele. – Nesse momento, eu caí da cadeira rindo.
– Ah! Uau! Que... Uau! Genial. Genial. Simplesmente genial... – Eu disse, enxugando as lágrimas de tanto rir. – A ironia é uma coisa cruel, não é, oficial... Bochechas?
– Bochechas?
– Você nunca me disse seu nome, então eu estou inventando um para você.
– Meu nome é Hugo.
– Tarde demais, Bochechas.
– Ugh. Dane-se. Senhor Biancardine, não só você explodiu boa parte do prédio aonde você trabalhava, como também sua hiena devorou oito pessoas. Uma delas sendo um dos políticos mais respeitados da região.
– Espere, vocês me trouxeram aqui para me parabenizar?
– Não! Suas ofensas são muito sérias, senhor Biancardine. E o que você tem a me dizer disto? – Ele levantou um... Quadrado. Parecia pesado, e era preto.
– O que diabos é isso, Bochechas?
– Pare de me chamar de Bochechas. Isto é o objeto que você, e eu cito de uma de nossas testemunhas, “Usou para matar a hiena que estava mastigando o corpo de uma mulher, e então usou a pele da hiena como cinzeiro. Depois disso, ele perguntou se a mulher gostaria de ‘Ir dançar com ele e o Jaguar nas suas costas’. A mulher correu, e o homem começou a xingá-la, jogando a pele de hiena coberta com algodão doce no esgoto.
– Como vocês podem saber que era eu?
– “O homem tinha mais ou menos um metro e meio de altura, cabelos castanhos, com algumas mechas destoadas, usava uma jaqueta de couro com uma camisa do Pink Floyd, e uma calça Jeans levemente rasgada.
– Ainda não estou convencido – Eu retruquei, cobrindo minha camisa do Pink Floyd o melhor que podia enquanto algemado.
– “Então ele bebeu uma garrafa de Jack Daniels enquanto perguntava se alguma mulher gostaria de ‘Aprender como que se fazem as coisas na estrada.”
– Ok, era eu. Mas eu nego todo o resto!
– Escute aqui, seu pedaço de... Escute. Você matou várias pessoas, traficou uma hiena, foi cruel com tal hiena, e ainda por cima expôs-se para diversas mulheres. O que você tem a dizer em sua defesa?
– Eu só quero um pouco de algodão doce, estou morto de fome... – O Bochechas atirou o quadrado preto na minha testa. Eu estava certo, ele era pesado.
– Esqueça a porra do algodão doce! Você vai passar anos na cadeia, seu degenerado!
– Mas... Eu sou jornalista!
– Jornalista? – Bochechas e Lúcia trocaram olhares, preocupados – De qual... Jornal?
– Nave da Loucura. Eu sou um colunista e escrevo crônicas de comédia.
– Ah. Bem, senhor Biancardine, porque nós não esquecemos esse episódio, e você vai escrever bem sobre a gente?
– Com uma condição – Eu aproveitei a oportunidade, claro –: Eu quero esse algodão doce. Ah, e se puder me dar o telefone da Lúcia ali, eu ficarei muito agradecido. – Eu pisquei para ela, que retribuiu a piscada. Sorte a minha, acho.
– Eh... – O Bochechas levou uma das mãos à face, não acreditando no que iria fazer. – Tudo bem. Aqui o algodão doce. Vou tirar suas algemas... – Ele tirou minhas algemas – E você está livre para ir embora.
– Hey, se importa se eu ficar com as algemas? Eu conheço uma amiga que irá adorá-las.
– VÁ DE UMA VEZ! – Eu considerei isso como um sim, e saí correndo.

Um comentário:

  1. Tinha mais um agravante na história: O Sandro é que era o animal em extinção, e a hiena estava ali para cuidá-lo.Sandro é um animal raro, dipsômano, que vive basicamente de bebidas fermentadas e inalantes nasais. O que o torna raro é por que pensa, ou pensa que pensa, ou o pensar é mero distúrbio provocado pelo tipo de dieta a que está acostumado. E agora não poderá procriar mais, coitadinho...

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